quinta-feira, 5 de julho de 2007

Pasquim Iati

Um jornal para quem tem um parafuso a mais Ano I nº.III Julho 2007.


“posso não concordar com nada do que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo।” (Voltaire)


Mulher




“Sou a rainha do meu tanque, sou Pagu indignada no palanque”


Dizem-nos que somos donas de uma fragilidade e sensibilidade peculiares a uma posição pré-estabelecida de uma cultura. Em que posição nos colocaram? Lugar de mulher é esquentando a barriga no fogão e esfriando no tanque, comentários esses que rolam nas rodas de machões. Como podemos explicar a suposição de a mulher ser o sexo frágil? Somos mais emocionais, choramos até com um comercial de TV. Não somos dotadas de uma força física capaz de nos elevarmos à força do homem. Somos realmente sensíveis e frágeis. Mas apenas isso nos reduz a uma posição de inferioridade?

No inicio dos tempos as mulheres eram reverenciadas como semi-deusas, por somente elas terem o poder de gerar novas vidas. Observando as abelhas, e os seus meios de fecundação, os homens perceberam sua participação, e a partir daí certificaram-se que a prole era sua, e que sua força lhes era garantia da proteção e sobrevivência. ”Com a 'invenção' da propriedade, inventaram o 'selo de garantia' de que a mulher geraria só seus legítimos herdeiros, então a mulher foi 'socialmente' rebaixada, atribuindo aos seus feitos uma importância menos valiosa ou reconhecida...” Desde então vivemos subjugadas a uma cultura machista de uma superioridade fálica.

Mesmo quando alguns argumentam que não existem mulheres ‘gênias’ na história, este argumento é batido imediatamente, pois a mulher não tinha acesso à educação. As mulheres sempre foram educadas para criarem filhos e cuidarem da família. Mesmo assim as mulheres com pouquíssimos mecanismos de inclusão, se sobressaíram. Haja vista que a mulher mesmo em meio a preconceitos e humilhações, se destacou na ciência, filosofia, poesia, artes, religião, etc. Citando exemplos conhecidos, lembro-me de Cleópatra, Joana Dark, Anita Garibaldi. Algumas menos conhecidas como: Marie Curie, Hipátia de Alexandria, Lise Meitner, Maria Caetana Agnesi, como Cleópatra no Egito também vale ressaltar Nefertiti. E sem falar na nossa brasileiríssima Patrícia Rehder Galvão, esta que usava o pseudônimo de Pagu, ela desafiou as estruturas morais e éticas já pré-estabelecidas como sabemos, numa época de transformações, principalmente na área artística.

Infelizmente muitas destas foram desfavorecidas pela História, (esta que foi escrita por homens), sendo esquecidos os seus feitos. Outras que desafiaram este falo ereto da sociedade, foram queimadas na fogueira da inquisição, acusadas de bruxaria, sendo elas na maioria das vezes, cientistas. Como exemplos já citados, Joana Dark. E Hipátia de Alexandria que foi morta por ser detentora do conhecimento, que na época em que vivera, (310-415 d.C.) era sinônimo de paganismo.

Esse quadro só começou a ser alterado, efetivamente, no fim do século XIX, com a projeção da Rainha Vitória como marco inicial das mudanças. Atualmente mulher tem acesso à educação, mesmo com todo preconceito e descriminação, ela pode chegar a níveis que outrora jamais foram imaginados, e assim sendo ela só se tornará objeto se quiser.

(Elza Nayara)



texto de Millör Fernandes

Deus fala para Eva sobre a sua criaçao:

Minha cara,

Eu te criei porque o mundo estava meio vazio, e o homem, solitário. O Paraíso era perfeito e, portanto, sem futuro. As árvores, ninguém para criticá-las; os jardins, ninguém para modificá-los; as cobras, ninguém para ouvi-las. Foi por isso que eu te fiz. Ele nem percebeu e custará os séculos para percebê-lo. É lento, o homenzinho. Mas, hás de compreender, foi a primeira criatura humana que fiz em toda a minha vida. Tive que usar argila, material precário, embora maleável. Já em ti usei a cartilagem de Adão, matéria mais difícil de trabalhar, mais teimosa, porém mais nobre. Caprichei em tuas cordas vocais, poderás falar mais, e mais suavemente. Teu corpo é mais bem acabado, mais liso, mais redondo, mais móvel, e nele coloquei alguns detalhes que, penso, vão fazer muito sucesso pelos tempos a fora. Olha Adão enquanto dorme; é teu. Ele pensara que és dele. Tu o dominarás sempre. Como escrava, como mãe, como mulher, concubina, vizinha, mulher do vizinho. Os deuses, meus descendentes; os profetas, meus public-relations, os legisladores, meus advogados; proibir-te-ão como luxúria, como adultério, como crime, e até como atentado ao pudor! Mas eles próprios não resistirão e chorarão como santos depois de pecarem contigo; como hereges, depois de, nos teus braços, negarem as próprias crenças; como traidores, depois de modificarem a Lei para servir-te। E tu, só de meneios, viverás...


A miséria




Houve um tempo em que a miséria brasileira era mais interessante, não é nostalgia não. É tédio mesmo! Ela não some, uma hora ou outra sempre reaparece. Há alguns anos atrás a miséria nos toca mais, ela era útil para a nossa piedade, servia de tema para a literatura e a arte. Basta olhar para os livros de Graciliano Ramos, Morte e Vida Severina de João Cabral, ou as pinturas de Cândido Portinari. A miséria sempre deu lucro. No Brasil miséria é praticamente uma indústria. A miséria dá lucro político; falar na miséria traz votos populistas.

Antes, havia uma miséria boa, controlável. Tinha-se pena, desde que ela ficasse em seu lugar. Ela abrandava a consciência. Para os revolucionários, a miséria é uma bandeira. Sofria-se com ela. A miséria dos outros é o problema existencial. Se ela deixasse de existir, qual seria a graça de viver?! Achava-se que escândalos ajudavam os pobres de alguma maneira. Somos fracos para moldar a realidade e só a vontade não basta; pois as coisas comandam os homens. Hoje a idéia de revolução se foi, e isso gerou um desalento que aos poucos deu lugar a um cinismo. Indignamos-nos, damos escolas que fazem mais bem a nós do que a eles. A miséria tem uma função social, - se não houvesse miseráveis, que sentido teria me achar privilegiado pelo salário mínimo que tenho, caso todos ganhassem bem? – ela serve para apaziguar a sociedade, para que o sujeito sinta-se em melhor situação que seu semelhante. Tem ate um site na internet que você digita o valor do seu salário e ele diz em qual colocação ficaria no ranking dos mais ricos.

Na televisão, o miserável não se vê na tela, nas novelas, nas series. Aparece apenas em matérias ditas sociais e às vezes culturais. Mas na propaganda tem a sensação de não existir. Na televisão, o comercial do novo carro novo, só torna clara a exclusão. Damos esmolas na esperança de uma salvação, mas os miseráveis não são generosos e não nos perdoam, nos dizem um “Deus te pague”, que poderia ser entendido como um “te cuida...”

A miséria foi a arma de propaganda do governo. Se o PSDB quis cuidar da miséria, o PT agiu com ciúmes, como um marido enganado, daí a ineficiência do Bolsa Família, Fome Zero. O erro de quem quis acabar com a miséria foi achar que ela está afastada, nas periferias, embaixo das pontes, longe de nossa vida social. Nós fazemos parte dela, a miséria está na maneira como vemos. Não existe um mundo limpo e outro sujo. A burocracia é miséria, corrupção é miséria, a estupidez brasileira é miséria. A miséria não está nas favelas nem nos sertões, está no centro da sociedade brasileira. Ela nos desgosta porque é a prova do nosso fracasso. Somos uns miseráveis cercados de miseráveis por todos os lados.

(Márcio José)


Saudade para quê?


Existem jovens que sentem nostalgia por não terem sido jovens em gerações passadas (eu me incluo nessa lista). Saudade do enfrentamento com os militares dos anos 70, da organização estudantil nas ruas, do sonho socialista-anarquista-marxista. Ter saudade da ditadura é ter saudade de conhecer a tortura, o medo, a falta de liberdade e a morte. Ser jovem naquela época era coexistir com a morte, ver amigos ser retirados das salas de aula para o pau-de-arara, para o choque elétrico, para as humilhações. Hoje é a vez dos mauricinhos-patricinhas-cybermanos, das raves, do crack e do Beira-Mar. Um cenário que pode parecer aborrecido ou irritante para muita gente que tem uma visão romântica de outras décadas. Mas nada melhor que a liberdade que temos hoje para saber qual é a real de uma juventude e de uma sociedade. Hoje a juventude é mais tolerante com as diferenças. Hoje, existem ferramentas melhores para a pesquisa e para a diversão. Falta muito é claro. Não temos hinos mobilizadores, mas não sei se precisamos deles.

O jovem de hoje não precisa mais lutar pelo fim da tortura ou por eleições diretas, pois outras gerações já fizeram isso. Se o país necessitar, lá estaremos nós, espero, de cara limpa, pintada, o que for. Mas é bobagem achar, como pensam alguns nostálgicos, que tudo já foi feito. Há muito por realizar pelo país. Seria bom, por exemplo, se a juventude participasse de forma mais efetiva na luta pela educação de qualidade e pela leitura. Pois lemos pouco, muito pouco. Ler mais vai fazer a diferença. Transformar a chatice de ler machado de Assis no prazer absoluto de ler Machado de Assis. Repensar a escola é fundamental. Dar ao aluno mais responsabilidade pelo próprio destino e a chance de se auto-avaliar. Transformar a escola numa atividade prazerosa.

Vivemos num pais que mistura desdentado com marombados, famintos com bad boys, crianças nas ruas pedintes com gatinhas tatuadas e de piercing. Crianças com 15 anos na Febem e outras com 15 na Disney.

É um país com muitas diferenças, e acabar com elas é o papel dos jovens. A juventude deve acima de tudo, saber desconfiar das “verdades absolutas”. Desconfiar é sempre ser curioso, pesquisador, renovador, transgressor. Dizer não ao não e, como diz a musica de Engenheiros do Hawaii: desafinar do coro dos contentes.

(Márcio José)


3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns a Márcio e Elzinha pela qualidade e criticidade dos textos aqui expostos!!! Se na luta contra a liberdade de expressão feminina ou se na perfeita observação da miserábilidade da nossa realidade atual, posso garantir-lhes: vocês não estão sozinhos! Contem comigo no que precisarem para " desafinar 'o' coro dos contentes". Um grande abraço!
Diego Spíndola

Anônimo disse...

Márcio, já sou fã de teus escritos. Que criticidade incrível!!! muito bommmmmmm

Pasquim Iati disse...

eu que sou amiga de Márcio ja nao me surpreendo com suas ideias, e sua forma de expo-las, porem esse texto sobre nostalgia, pow massa demais!!!