domingo, 30 de novembro de 2008

AUTO



(Quadro de Vincent van Gogh - The Bedroom - 1889)












Tapei as narinas
Andei atordoada em meio às pessoas
Minha visão não era boa.
Tapei as narinas
O mau cheiro podia ser capaz de invadir qualquer ser dotado de toda virtude, de toda “personalidade”, de persona.
Fui andando em meio às pessoas, mas para agüentar, continuei a tapar as narinas.
Sentei, coloquei o cotovelo encostado em meu joelho e minha mão em meu queixo. De nada adiantou, isso me fez apenas mudar.
Tapei os ouvidos
Passei boa parte desse tempo satisfeita.
A única coisa que eu ouvia era o meu eu, meu amigo mais íntimo.
Ele me falou por muito tempo.
Fique sentada pensando: apenas sinto o cheiro bom, apenas sinto meu cheiro, apenas me escuto.
Enfim, tapei os meus olhos
Não há nada de bom, o que via era apenas destruição. Estão destruindo a tudo e a todos. Mas eu passei a me olhar, olhar o meu interior. Vi tudo o que eu desejava ver.
Foi um tempo de lindos campos com flores que exalavam o melhor perfume entre o canto dos pássaros.
Cheirei-me, senti o fedor das minhas víceras podres, ouvi o meu instinto mais perverso falar em mim, olhei-me no espelho e vi minha personalidade desfragmentando-se em mil pedaços.
Quem sou eu?
Voltei a andar atordoada em meio às pessoas, senti-me superior a elas, e ao mesmo tempo igual em essência.
Não tapei narinas, olhos ou ouvidos.
Sinto o mau cheiro, ouço os tons mais desafinados, olho para as feições mais desajeitadas.

Quem sou eu? Pergunto mais uma vez!
Uma Maria ninguém
Porém, que está querendo saber quem é, o que é, o que pode vir a ser, e quem um dia já foi.

Antes observava da retina dos olhos para fora
Agora tento olhar para dentro (como outrora aprendi)
E jogar esse olhar para fora, já cheio de respostas e indagações.
O nosso sangue tem o mesmo cheiro ou fedor, os nossos olhos, pretos ou azuis, enxergam as mesmas tonalidades.
Só “pressuponho” de mim mesma.

(Elza Nayara)

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